A efemeridade das polaroids

5 Junho, 2023fotografia

Com tantas formas de captar uma imagem, uma polaroid é uma das menos convenientes no universo instantâneo. A câmara é grande e não deixa espaço na mala, enquadrar parece impossível e no fim pode nem existir uma imagem.

As inconveniências, o sentir que nada é importante o suficiente para usar a película e o preço exorbitante de cada imagem levaram-me a deixar na gaveta caixas por revelar. Se há algo que não de deve fazer a é esperar demasiado. A embalagem alerta: conservar no frigorífico; usar dentro de seis meses para melhores resultados. E quando não se faz nada disto?

É fascinante o que se passa em cada um daqueles pedaços de papel. Aliás, são bem mais que meros pedaços de papel. A moldura branca tem uma função concreta, não é apenas estética. Existe para, numa pequena bolsa, guardar todos os químicos necessários à revelação da imagem. Antes de existir fotografia, cada polaroid a cores é feita de cerca de 13 camadas diferentes, entre camadas sensíveis às diferentes ondas de luz; espaçadores, reveladores e filme plástico para proteger todas estas dimensões. No momento do disparo, por frações de segundo, a imagem é exposta à camada sensível e, enquanto sai da câmara, atravessa dois rolos que espremem todos os químicos e iniciam a revelação da imagem.

Nos primeiros minutos, o melhor para cada imagem é resguardá-la da luz, precavendo qualquer exposição adicional. Em 2023 convivemos com uma mistura química que não é a mesma de há 30 anos atrás. Essa fórmula tão eficiente perdeu-se quando a empresa faliu. Esta nova fórmula é frágil, mesmo as imagens que capta são efémeras e podem desaparecer com os anos. Certo é que se queremos ter as melhores hipóteses de existir uma fotografia, a última coisa que precisa é de ser abanada. Aliás, nem mesmo as polaroids anteriores necessitam ser abanadas desde 1970. Curiosamente, esse é um reflexo perdurou até aos dias de hoje porque, nas primeiras versões da polaroid, o filme que saia era húmido – e tinha um cheiro pouco agradável – então agitar ajudava com os dois problemas, entretanto resolvidos.

Disperso-me.

É simples. Durante anos caixas de polaroids ficaram escondidas dentro de uma gaveta e recentemente ganhei coragem para lhes dar uso. Uma viagem parece sempre uma ocasião adequada. Os resultados começaram foram dececionantes. A primeira recarga resultou apenas em ténues manchas, as restantes, esboçaram imagens, algumas até bonitas.

Neste artigo, partilho algumas que prenderam a minha imaginação. Sem a poesia das bordas para que a imagem possa ter a sua voz. Há vezes tenho dúvidas se o que me encanta é a imagem, a deterioração, o objeto, ou o processo. Ou todas estas coisas juntas. Como se importasse.

Certo é que a sua verdade – ter na mão uma imagem que acabamos de captar, de algo que existiu à nossa frente – parece ser algo cada vez mais raro. A fotografia, enquanto tal, está em perigo, mas são métodos como a polaroid e a película que poderão ajudar a preservá-la.

#instameetviseu2019 – parte 1

25 Setembro, 2019fotografia

O Instameet Viseu voltou a realizar-se durante a Festa das Vindimas. Eu, novamente convidado a fazer a curadoria do evento, estava seguro de que a experiência dos últimos anos me tinha preparado para mais um sem percalços. Estava errado. Muito errado. Precisamente no dia em que todos nos reunimos para começar a fotografar, as primeiras chuvas de outono chegaram. Discretas durante a manhã, avassaladoras durante a tarde. Não houve plano que resistisse.

Tinha ficado claro no dia anterior que a chuva estaria presente, de tal forma que todos os outros eventos da Festa foram cancelados para aquele dia, mas com fotógrafos já a caminho, não estávamos dispostos a abdicar deste encontro. Escrevo no plural pois esta foi uma decisão de todos nós. “Eu gosto do desafio de fotografar à chuva”, dizia o Leonel. Ainda assim, enfrentá-la foi uma tarefa difícil de antecipar.

A manhã começou no mercado, repleto de gente e legumes. Passámos pela Central de Camionagem, visitámos o recinto da Feira de S. Mateus e entrámos na Casa da Ribeira. Sempre entre os pingos da chuva. Já a tarde empurrou-nos para dentro dos carros que nos levaram ao Museu do Quartzo, no topo do Monte de Santa Lúzia. É um local encantador, habitualmente, onde podemos ver toda a cidade de Viseu pousando os olhos no horizonte. Não neste sábado. As nuvens densas desciam sobre nós e tudo era branco. O vento forte assobiava entre as árvores bailantes, inseguras. Saímos dali até à Igreja Madre Rita e por fim até à Quinta de Lemos para, mais uma vez, nos confrontarmos com uma chuva sem descanso. Regressámos para nos aquecer e terminar o dia quentes, com um belo jantar.

O domingo foi bem mais simpático, o sol voltou a espreitar e permitiu que a nossa manhã fosse feita de um ponto de partida com muitos percursos.

Ficarei para sempre impressionado com a resiliência deste grupo. O Pedro, o Jerónimo, o Copeto, a Margarida, o Gil, o Alex, a Filipa, o Miguel, o Hugo, o Leonel, o Jorge, a Diana, a Isabel, o João e a Sara viajaram de todo o país para virem fotografar a cidade e nem as recomendações da Proteção Civil os dissuadiram de vaguear ruas e terras à procura de novas composições e imagens. Não só isso, como ainda o conseguiram fazer com uma criatividade e olhares belíssimos.

Este não foi um meet como previa, mas deste fim-de-semana saímos todos mais fortes. Uma lição que guardarei com carinho.

Pasmaceira

27 Outubro, 2018rascunho, palavras

Voltou a acordar. Hoje em dia já não lhe fazia grande diferença, acordar. Quando era mais pequeno era diferente, existiam surpresas. Sorria de expectativa. Entusiasmava-se. Hoje em dia não é bem assim. Hoje em dia não é nada assim. A rotina instalou-se.

Um copo de café antes de sair. Escovar os dentes, sair da porta de casa, entrar no autocarro. Sair da porta do autocarro, entrar na porta do trabalho. Sentar-se. Sentar-se durante horas. Apaziguar o aperto no estômago com uma maçã. Levantar-se depois de horas. Sair pela porta do trabalho, do autocarro, entrar pela porta de casa, do quarto da cama onde se deita. É noite, é dia.  Fez tudo sem sair da cama. Logo depois levantou-se e fê-lo de verdade. Tal e qual.

A vida é uma pasmaceira. Durante meses, a vida foi uma pasmaceira.

Sentado, trincou a maçã para apaziguar o aperto no estômago, mas desta vez contorceu-se. Seria da maçã o aperto forte no peito? A Alzira da contabilidade perguntou-lhe “Estás bem?”. A sua resposta não foi mais do que um tombo. O Alberto não hesitou a insultar: “Não vês que não está bem? És idiota, Alzira!? Chama alguém”. Entre aqueles três alguéns só ele se questionava verdadeiramente. Estendido no chão perguntava-se se o tédio matava do coração. Se a maçã teria veneno e se isso faria dele uma Branca de Neve. Sempre teve uma compleição clara e não se importaria de ser princesa. A vida assim não seria uma pasmaceira.

A verdade é que o tempo passava e entre os insultos dos colegas e a ausência de uma mão ajudante já não sentia os dedos dos pés. Nem os pés inteiros, nem do joelho para baixo ou do joelho para cima até às pálpebras. Sentia as pálpebras como se fossem feitas de betão a ruir sobre os seus olhos. O estrondo da sua queda trouxe a noite. Nem as vozes dos colegas, nem o ruído do ar condicionado. Era outra pasmaceira de lugar este onde se encontrava. Um que não saberia se ficaria para sempre. Para sempre lá ficou, sem som, sem luz, consigo sem forma de ser. Afinal a morte é uma pasmaceira ainda maior.

#instameetviseu2018 – parte 1

28 Setembro, 2018fotografia

A semana passada aconteceu o terceiro Instameet Viseu. Pelo segundo ano consecutivo tive a oportunidade de ser o curador do evento da Festa das Vindimas. Neste caso significa que tenho a liberdade de convidar alguns dos fotógrafos que admiro nessa rede. E há muito talento por ali.

Com o aproximar do fim-de-semana também alguns dos instagrammers foram chegando a Viseu. Eu desdobrava-me para acolher cada um dos mais de vinte participantes, curioso para conhecer pessoalmente os rostos por detrás da imagens, mas também receoso que algum percalço manchasse a estadia.

Durante os três dias em Viseu não faltaram de percalços, mas o que não antevi foi a forte união que este grupo gerou: de desconhecidos a família num dia. Sempre sorridentes, disponíveis aos pedidos mais estranhos, dos saltos às inevitáveis quedas, do caminhar ao sol a descobrir Omiri noite dentro… a criatividade assim é fácil de semear.

Os resultados colhem-se nas fotografias, mas essas contam apenas parte da história. Neste fim-de-semana conheci gente extraordinária que não só encontra outra perspectiva numa paisagem partilhada, como usa esse dom na sua forma de estar. É inspirador. Faz de mim uma pessoa mais rica, e lamechas. Um feliz lamechas. Obrigado Tiago Silva, Gabriela Gomes, Margarida Reis Pereira, Guilherme Barata, Eurico Amorim, Lígia Claro, Luís Cavaleiro, Luís EusébioFilipa Alexandra e Vitor, Sofia Dias, Paulo Furtado e Maria, Tiago Aleixo, Diogo Oliveira, Marcos Moreira, Nuno Serrão e Andreia, Alexandre Mascarenhas, Filipa Aguiar, Salomé Santos e José Pedro Pinto.

A fantástica fotografia de grupo pretence ao @lceusebio.

Materiais do Desenho, uma exposição

29 Março, 2018design gráfico

Todos os anos, ao visitar a estufa do Chão das Artes – Jardim Botânico da Casa da Cerca, em Almada -, irão deparar-se com uma exposição diferente. Desde da sua génese que este espaço procura explorar a ligação entre as artes plásticas e natureza. Fá-lo descontruíndo uma obra e olhando além do seu produto final. Foca-se essencialmente nos materiais utilizados e de como estes influenciam e moldam a própria técnica.

Lá, os visitantes são convidados a conhecer o jardim e as várias aplicações artísticas dessas plantas. Mostra-se a origem da tinta-da-china ou as diferentes utilizações do bambu. Explica-se um pouco da tela e de como as fibras da Cannabis sativa L.  fazem parte da sua constituição. Ou de como da videira se podem extrair as cores roseta, vermelhão e até preto.

Aprender-se um pouco por todo o jardim, no entanto, boa parte desta informação está condensada na Estufa para a qual este ano eu fui convidado a organizar graficamente esta informação. O resultado são doze painéis com cerca de dois metros cada um. Tons claros para o fundo, grafia legível, bilíngue e dezenas de imagens cuidadosamente escolhidas contribuíram para o resultado final que se quer, sobretudo, acessível e informativo. Sem complicações.

Uma nota de apreço para a equipa que gere este espaço, pela liberdade que dão à criação não só dos artistas que acolhem, mas pelo respeito demonstrado por todas as fases criativas, incluindo o design. Obrigado.

Lamecenses

21 Setembro, 2017fotografia

Em 2017, a Maratona Fotográfica da Fnac levou-nos a passear por Lamego.
Há alguns anos que não participava nesta iniciativa e o formato, embora o nome se mantenha, está drasticamente diferente. Comparando com a primeira edição, em 2009, as vinte e quatro horas a fotografar passaram a oito, não existem temas específicos por cada ponto de encontro e em vez de se explorar a pé a cidade de Viseu, este ano explorou-se a região de Lamego de autocarro. Bom, foi assim para os 95% dos participantes que não optaram por levar o seu próprio carro.

Lamego tem imensa história para partilhar e é com vergonha que confesso desconhecer grande parte dela. No entanto, esta foi uma viagem que ajudou a mitigar essa falha. Ajudou também fazê-la com a Ana e ter a oportunidade de ficar mais alguns minutos em cada um dos locais que visitámos. Quando o autocarro partia para o próximo ponto, nós podíamos experimentar um pouco do sossego rotineiro daqueles sítios em vez do alvoroço de quarenta fotógrafos ansiosos.

Houve muitas fotografias – e as que selecionei para concurso têm pouco a ver com estas -, mas aqui interessa-me partilhar alguns dos retratos que fiz dos lamecenses. A simpatia é a habitual do português, mas ainda me surpreender a coragem de olhar para a câmara. Se eu estivesse do outro lado seria muito diferente.

Em passeio, de passagem – parte 1

28 Janeiro, 2017fotografia

O tempo é algo estranho. Para meu mal a estranheza é causada por algo bem trivial: a falta dele, ou pela percepção de que o tempo é como água quente que escalda ao agarrar-se e evapora pouco depois. Ou talvez não seja nada disso e talvez o tempo seja um lago sereno e tudo isto não passe de uma ilusão minha. É-o certamente.

Este ano passado foi irrequieto. Foi o primeiro ano em que tive uma agenda. Bom, foi o primeiro ano em que tive uma agenda à qual dei uso. Todos os dias: uma missão. Algumas ficaram por cumprir. Pelo meio muitos dos dias preencheram-se de momentos que não estavam escritos. Alguns desses fui fotografando, em passeio, de passagem, porque sim. Depois, essas imagens foram atiradas para pastas digitais e arquivadas, lançadas ao purgatório – tal como filme por revelar.

Hoje vasculhei e organizei C:\fotografia\livre\2016. O que aqui fica é uma pequena parte do meu olhar transeunte e do que emergiu entre a balbúrdia. Assim, de mãos escaldadas, partilho.