Voltou a acordar. Hoje em dia já não lhe fazia grande diferença, acordar. Quando era mais pequeno era diferente, existiam surpresas. Sorria de expectativa. Entusiasmava-se. Hoje em dia não é bem assim. Hoje em dia não é nada assim. A rotina instalou-se.
Um copo de café antes de sair. Escovar os dentes, sair da porta de casa, entrar no autocarro. Sair da porta do autocarro, entrar na porta do trabalho. Sentar-se. Sentar-se durante horas. Apaziguar o aperto no estômago com uma maçã. Levantar-se depois de horas. Sair pela porta do trabalho, do autocarro, entrar pela porta de casa, do quarto da cama onde se deita. É noite, é dia. Fez tudo sem sair da cama. Logo depois levantou-se e fê-lo de verdade. Tal e qual.
A vida é uma pasmaceira. Durante meses, a vida foi uma pasmaceira.
Sentado, trincou a maçã para apaziguar o aperto no estômago, mas desta vez contorceu-se. Seria da maçã o aperto forte no peito? A Alzira da contabilidade perguntou-lhe “Estás bem?”. A sua resposta não foi mais do que um tombo. O Alberto não hesitou a insultar: “Não vês que não está bem? És idiota, Alzira!? Chama alguém”. Entre aqueles três alguéns só ele se questionava verdadeiramente. Estendido no chão perguntava-se se o tédio matava do coração. Se a maçã teria veneno e se isso faria dele uma Branca de Neve. Sempre teve uma compleição clara e não se importaria de ser princesa. A vida assim não seria uma pasmaceira.
A verdade é que o tempo passava e entre os insultos dos colegas e a ausência de uma mão ajudante já não sentia os dedos dos pés. Nem os pés inteiros, nem do joelho para baixo ou do joelho para cima até às pálpebras. Sentia as pálpebras como se fossem feitas de betão a ruir sobre os seus olhos. O estrondo da sua queda trouxe a noite. Nem as vozes dos colegas, nem o ruído do ar condicionado. Era outra pasmaceira de lugar este onde se encontrava. Um que não saberia se ficaria para sempre. Para sempre lá ficou, sem som, sem luz, consigo sem forma de ser. Afinal a morte é uma pasmaceira ainda maior.